13 de outubro de 2009

Só contando.

Sentado no tosco banquinho de madeira, sob a luz de um antigo lampião com pavio de pituba1, Seu Nersinho contava histórias.

Pode parecer que isso foi num tempo onde crianças sentavam ao redor de um vovô contador de histórias, mas não. Isso foi em Ervália, uma cidade da zona da mata mineira, na década de 1970.

Seu Nersinho era o caseiro do sítio de um amigo — Sítio da D. Zizi — e estava sempre, como quase todo roceiro, pitando um cigarrinho de palha. Em volta dele, adolescentes, rapazes e moças, prestavam atenção em cada história contada.

E uma das histórias que me lembro, dentre outras, foi a das “luzes na estrada”.

 

Seu Nersinho contou que não fazia muito tempo e dois moços da cidade grande estavam no sítio da D. Zizi. Naquele dia específico, ficariam na cidade pra sair com a turma.

Acontece que não tinham levado roupa e quando perceberam isso, já era final da tarde e grossas nuvens começavam a tomar conta do céu, normalmente azul. Carecia de virem ao sítio, pra pegarem uma muda de roupa, ou teriam que ficar com a roupa do corpo. A distância era acho que ainda deve ser de 6 quilômetros.

Eles não tinham ido de charrete para a cidade e com a chuva que já apontava, lá longe, tomaram emprestadas duas bicicletas e tocaram pro sítio.

Dú, um dos moços, filho da D. Zizi, contou — disse Seu Nersinho —, que pedalavam o mais rápido que podiam, à caminho do sítio. Conseguiram chegar antes que a chuva desabasse.

Não perderam tempo. Fizeram uma trouxa de roupa e montaram nas bicicletas, de volta para a cidade.

Seu Nersinho fez uma pausa, deu uma pitada forte, verificou a tosca lamparina e pigarreou, como se dissesse: “agora vem a melhor parte”.

Alguns pingos já caíam e os moços ainda estavam pedalando. O céu escurecia mas rápido agora. Parte por causa das nuvens grossas e parte porque começava a cair a noite. Sem estrelas e sem lua, a estrada de barro ficaria um breu.

Pedalando, ainda mais rápido, avistaram em cima de uma colina, ao longe, uma luz muito forte. Como dessas luzes que procuram avião no céu.

A luz rodopiou, sem sair da colina, e apontou pros moços, que começaram a pedalar mais rápido.

A essa altura, se ouvia a respiração acelerada da turma e os olhos pregados no Seu Nersinho, que não tinha pressa alguma na contação da história.

Alguém disse uma piadinha. “Não vai dizer que eles saíram voando?” — Ato contínuo: “Shhhhhhhhhhhh. Silêncio.”

O silêncio voltou e Seu Nersinho retomou a história.

O Dú contou que não sabia se era a luz, ou o medo, que tornaram eles brancos como fantasmas. A luz continuava em cima deles. Forte como era não podia ser lanterna ou farol de carro, tinha que ser outra coisa qualquer. E os dois não tinham bebido nada de nada.

E haja perna pra pedalar.

Na última parte da estrada de barro, chamada de “reta do alívio”, já dá pra ver a luz da primeira vendinha da cidade. Os moços só queriam saber de chegar lá e entornar uma pinga pra ver se a cor voltava.

À medida que foram chegando na venda, a luz foi ficando pra trás, de modo que quando chegaram no boteco não tinha mais nada.

A cor de fantasma chamou atenção do pessoal que estava na venda tomando uma bebidinha. Disseram que aconteceu a seguinte conversa:

— Seus moços, vocês tão brancos como talco. Viram fantasma?

— Manda duas cachaças. — Que fantasma nada. Fomos acompanhados por uma luz estranha.

— Luz? Que luz? Onde?

— Até quase chegarmos aqui. Veio nos acompanhando desde a entrada do sítio do delegado.

— Eu já vi essa luz esquisita. — Falou um sujeito, que foi chegando.

— Valha-me Deus! Como é essa tal luz? — Disse o dono da venda, enquanto fazia o sinal da cruz.

— É uma luz muito forte. — disse o peão que estava sentado numa mesa próxima.

— Você já viu também?

— Não, mas meu primo viu e me contou.

— …

Bem, o que eu sei é que no final da contação do Seu Nersinho, toda cidade sabia da história antes de a noite dar 10 horas. Não tinha lugar, na praça, no clube ou na sinuca onde não tivesse alguém que já tinha visto essa luz maluca. Já tinham falado que era tudo. De ET a santo e capeta, de estrela a cometa e, até mesmo, que os moços tinham levado uma cacholeta.

E afinal, história contada é mesmo assim. As vezes não tem pé, as vezes não tem cabeça. Vale pela diversão, pela roda de amigos. Pelo tempo passado. Pelo conto contado.

1Pituba – Semente de mamona socada, no pilão, com algodão e enrolada como um pavio grosso. O óleo da mamona permite acender o pavio sem utilizar querosene.

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