21 de março de 2009

O Submarino Misterioso – Um conto escatológico

Olhado àquela distância, ficava camuflado pela água turva e pouca iluminação. Mas na primeira descarga de águas revoltas, jogado contra as paredes que o cercavam, transparecia sua verdadeira natureza. Sem qualquer marca, era impossível identificar o dono do artefato. A busca iniciou.

A chefia do comando, confiada a mim, logo identificou o possível dono. A corporação Rosa Choque. Talvez pela pouca idade e uma certa não obediência aos princípios fundamentais da convivência mundial, o indiciamento foi cumprido.

Pego de surpresa, o representante da mais nova corporação, imediatamente, negou a acusação de mau uso da água pública ao evacuar artefatos rejeitados sem a devida embalagem de proteção do PH. Tal atitude já era esperada.

Sabedores da existência de outra corporação, Dente de Prata, que deixava os rejeitos das suas experiências sob as águas de outros mares, resolvemos, igualmente, indiciá-la.

Já mais experiente nas negociações internacionais, o representante não refutou do apontamento de que sua organização utilizasse águas públicas para o descarregamento de dejetos líquidos e sólidos, enfatizando de forma contundente: Assim como todas as organizações!

Um misto de “Oh!” e “Ah!”, por mil vozes, encheu o salão da Ouvidoria.

Conseguindo o efeito pretendido, o representante da Dente de Prata trouxe o foco para o artefato em voga, levantando a hipótese de que uma ligação entre os mares e a existência de refluxos causados pelas marés, pode ter transferido o artefato apontado, de uma mar para outro.

A organização mãe, WK, patrocinadora confessa da Dente de Prata e, posteriormente, da Rosa Choque, colocou em cheque a posição oficial de que a Rosa Choque fora a última organização a navegar naqueles mares, inclusive levantando hipóteses de suborno no comando chefiado por mim.

Imediatamente o comando de acusação colocou-se em guarda e desferiu: O artefato pode sim; Por que não?; ser de propriedade da WK!

Pronto! A confusão estava formada e a questão diplomática que parecia de fácil solução, tornou-se um conflito que precisava ser contido, antes que evoluísse para um confronto sem precedentes.

Decidiram pela criação de uma nova ordem mundial. O primeiro parágrafo fala sobre a necessidade de cada organização utilizar a sua área própria de despejo.

Em outro parágrafo, diz que as corporações formarão uma comissão para vigiar e controlar o descarregamento de dejetos, bem como a utilização de combustíveis que não venham a poluir a atmosfera.

Outro parágrafo fala sobre a proteção do PH que, a partir da assinatura da nova ordem, deverá ser composto de folha dupla, garantindo a tranqüilidade mundial.

Nessa altura, muitos poderiam perguntar que fim levou o artefato que gerou toda a confusão. Ora, certamente alguém apertou o botão.

5 de março de 2009

A caneta pra retroprojetor

— Rola, rola pra debaixo do lápis que ele vem aí!

— Sai lapiseira! Deixa eu passar! — disse o marcador Azul.

— Pombas! Cadê o meu marcador, o Preto? — João! Você pegou a droga do meu marcador?

— Não Tonho! Eu tenho o marcador Vermelho, serve?

— Ah! Me dá essa droga mesmo!

Isso acontece todo dia! Não é fácil ser um marcador de CDs e DVDs, em uma fábrica. E eu vim parar aqui por engano. Ah! Meu nome é Caneta Marcador Preto, mas aqui na fábrica o pessoal me conhece como Pretão, por eu ser daqueles marcadores mais robustos.

Na verdade, me compraram para fazer parte do material escolar de uma aluna de curso superior. Fui utilizado algumas vezes para escrever em folha de transparência, dessas para retroprojetor. Já até escreveram em CD e DVD comigo, mas eram trabalhos de faculdade. Sempre foram atividades nobres para um marcador.

Um dia, sem querer — ou de propósito, não sei —, fui pego pelo irmão da garota, o tal de Tonho. Fui parar num quarto cheio de aparelhos eletrônicos. Fiquei sabendo depois que eram gravadores de CDs e DVDs. Bem, fui feito para escrever e acabei me conformando com o novo local.

Com o passar dos dias, fui ouvindo umas conversas que não estavam me agradando. Andavam dizendo que era uma fábrica de produtos piratas. Pensei alto, ainda que ninguém tenha escutado: “Tinha que acontecer comigo!”

O marcador Vermelho achava que não tinha nada demais, já que todo mundo copia todo mundo. Até nós — dizia ele —, os marcadores, já fomos pirateados.

— Mas Vermelho, isso não quer dizer que esteja certo. Nós estamos participando de uma atividade criminosa!

— Que criminosa o quê, Verde! O Tonho usa esse dinheiro pra cuidar da família. Afinal ele tem que sobreviver.

— Ah! Deixa de conversa. Isso aqui deve ser só fachada! A “coisa” deve ser bem maior! — Outro dia mesmo, fui com esse Tonho até um galpão enorme, cheio de caixas de madeira. Mas foi só o que eu consegui ver.

— Todo dia , à noite, eu saio com o pessoal para entregar os discos e me usam para escrever na embalagem. Algumas vezes as embalagens são diferentes, mas escrevem um código que desconheço — disse o Preto Fino.

E cada um tinha uma história pra contar. Uma mais cabeluda que a outra. E Vermelho sempre tinha uma defesa, uma outra história pra contar. Alguns, até ficaram do lado do Vermelho, concordando com ele.

Dois dias depois, o Vermelho chegou muito assustado, dizendo que precisava conversar comigo. Fomos pra trás dos livros.

Preto, lembra que eu contei que saía, algumas vezes, pra fazer umas marcações diferentes.

Claro que lembro. Pra onde você foi dessa vez.

Ah! Não sei pra onde. O que sei é que me utilizaram muitas vezes pra escrever em um pacote branco. Escreviam “COCA”.

4 de março de 2009

O Sabonete

Eu era capaz de sentir a temperatura do ambiente. Estava tão quentinho! E eu todo derretido, junto os meus irmãos. Estava começando a nascer para o mundo. Não tinha mais volta!

Humm! Comecei a escurecer! O que estará acontecendo? Será que estou queimando? Espere! A cor é lilás. Que bom! Ainda sou transparente.

Que perfume é esse? Parece de flores. Sim! É jasmim! Ah, serei um cara gostoso!

Olha, consigo ver uma luz. Estão levantando um véu com um bastão de vidro. Acho que chegou a hora.

Sim, estou na forma! Qual será a minha carinha? Serei um gatinho, um cachorro? Quem sabe uma flor? Uma rosa com cheiro de jasmim? Até que seria bacana.

Finalmente livre daquela forma. Pelo menos era de silicone!

Preciso me aprontar para poder ser embalado e colocado na cesta de vime.

Rapaz, como estou bonito! Todos, na minha cesta, estão bonitos!

— Para onde será que nós vamos? — perguntei ao coleguinha ao lado, Azul.

— Ah Lilás, espero que a gente vá para um local onde saibam apreciar as coisas belas.

— Tem razão Azul. Ninguém merece ficar em vestiário de jogador de futebol.

— Pior é quando começam com aquela brincadeira de deixar a gente cair no chão, pra ver quem se abaixa pra pegar — falou o Verdinho.

— Psiu! Tem gente chegando na loja!

O rapaz, elegante, indicou a nossa cesta. Parecia estar contente. Acho que é presente para namorada.

Ele jogou alguma coisa dentro da cesta, mas não deu pra ver o que era.

— Olha só Azul, que casa bonita!

— É, dessa eu gostei! Você viu o que ele colocou dentro da cesta?

— Não. Parece que caiu do lado do Verdinho.

— Ei! Verdinho! O que ele colocou aí?

— Um anel.

— Sintam o perfume na casa. Acho que aqui seremos bem tratados.

A moça achou o anel na cesta e ficou toda prosa com o presente. Nos deixou de lado e ficamos no canto do sofá até o final da noite, quando o rapaz foi embora.

Ela me pegou, com delicadeza, e me levou para o banho. Sentiu meu perfume suave e deu um sorriso.

Que bom — pensei —, vou ser feliz até os meus últimos dias.